14 de jan. de 2010

AMIGO CURT



por Luiz Rogério de Carvalho


Perseguido na Alemanha nazista, por sua origem judaica, antes da 2ª guerra Curt emigrou para os Estados Unidos, onde se alistou no exército americano, que veio a combater as tropas de Hitler.

Durante os primeiros combates, foi ferido no braço por uma granada, o que lhe impossibilitou de continuar na guerra, e o deixou com um defeito físico para toda a vida. Com um braço praticamente inutilizado para manusear o fusil, Curt foi dispensado do exército, com o posto e vencimentos de sargento da reserva.

Ainda nos Estados Unidos, conheceu Lot, uma simpática jovem americana, inteligente e dedicada, com quem se casou. Pouco tempo depois emigrou para o Brasil. Aqui, em sociedade com um amigo, na cidade de Blumenau, onde sempre morou, fundou uma fábrica de chocolates, onde sempre atuou como sócio-gerente, e encarregado das vendas no interior do Estado, pois viajar, conhecer novos lugares e pessoas, era um dos seus prazeres.

Ao lado do trabalho na fábrica, Curt sempre encontrou tempo para dedicar à comunidade, especialmente no preparo da juventude, que dizia ser a semente do progresso de qualquer nação.

Tendo participado, na juventude, do movimento escoteiro na Alemanha, decidiu dedicar-se à causa na cidade que adotou no Brasil. Foram muito difíceis os primeiros tempos de organização do Grupo de Escoteiros, pois sem recursos financeiros para custear as instalações, foi necessário recorrer à comunidade, pedindo auxílio.

Com seu sotaque enrolado, falando um português bem arrastado, mas sempre irradiando simpatia, e um sorriso espontâneo e permanente, foi conquistando o respeito, a confiança e a colaboração da comunidade e, em pouco tempo, reuniu os recursos necessários para dar ao Grupo de Escoteiros de Blumenau uma bem montada sede própria, onde reunia a tropa e, com seu entusiasmo contagiante transmitia aos jovens os ensinamentos deixados por Baden Powell, fundador do escotismo.

Sua preocupação e dedicação à juventude não se resumia ao trabalho dedicado ao movimento escoteiro, pois, sendo membro ativo da maçonaria, sempre presente às reuniões e encontros festivos, especialmente nas programações que reunia as famílias, era sempre esperado o momento em que o Curt chamava as crianças para, organizadas em fila, esperar pela surpresa, que era ansiosamente aguardada. À frente da garotada, colocava na cabeça uma cartola que, dobrada, trazia no bolso, desenrolava e pendurava na parede uma faixa que continha desenhos, símbolos e palavras. Apontando para os desenhos, esperava que fosse, por todos, repetido o seu significado. Ao final de cada série de desenhos, todos repetiam uma música que, em alemão, ele cantava com muito entusiasmo. Ao final da apresentação, como prêmio pela participação, as crianças e, muitas vezes adultos, recebiam chocolates, tirados de uma sacola.

Este costume cultivado pelo Curt, de animar as festas, agradando as crianças, foi mantido durante muitos anos, mesmo sem a cartola, que foi emprestada a um grupo de teatro que se apresentou na cidade, e “esqueceu” de devolvê-la.

Nunca se declarou ateu, entretanto, sempre se manifestou ardoroso naturalista, dizendo que somos parte desta bela e majestosa natureza, por muitos, agredida e desconsiderada.

Certa manhã, recebi um telefonema de um amigo, avisando que o Curt tinha morrido, vítima de enfarto fulminante, quando caminhava pela rua. Depois de informado que o velório seria na sede do Grupo de Escoteiros de Blumenau, para lá me dirigi, onde encontrei um grande número de pessoas, amigos e admiradores que, consternados, se despediam do Curt.

No sepultamento, cumprido o ritual religioso pelo pastor da igreja da comunidade, como ninguém dissesse nada sobre o Curt, a viúva, Lot, discretamente pediu-me que pronunciasse algumas palavras, já que éramos amigos.

Atendendo ao pedido, com emoção, falei sobre suas qualidades, falei que, certamente, Curt que tanto amara a natureza, agora estava voltando ao seu seio, de onde veio, que voltava a viver na seiva das árvores, no canto dos pássaros, e no marulhar das ondas, nesta maravilhosa natureza, onde mais se deve procurar a religião, pois, como há muito tempo tinha lido em Eça de Queiroz, não é nas hóstias místicas que anda o corpo de Jesus – é nas flores das laranjeiras.

Sepultado meu amigo, depois de alguns dias, encontrei minha amiga, a viúva Lot, que, logo de início foi dizendo que mesmo tendo sido verdade tudo o que eu dissera sobre o falecido, no primeiro encontro que teve com o pastor, recebeu deste uma enérgica advertência, pois, para o cuidadoso pastor, ela escolheu um ateu para falar sobre seu marido.

Um comentário:

Toque de Beleza disse...

Como me lembro dele... a música começava assim: "ein duschene, ein duschene, ein duschene, schnitzel bank"... hehehehe.

Ele era muito divertido!!!

Parabéns pela matéria.
Beijos,

Jane