por Luiz Rogério de Carvalho
Eram cinco amigos, inseparáveis. Volnei, o mais velho, o líder, aquele que sempre orientava os outros nas brincadeiras, e até nas molecagens que faziam na rua, nem sempre muito ortodoxas. Era o filho mais novo de uma família numerosa. O pai dele, “major” Otacílio, cartorário, homem sisudo, de poucas palavras, mas, de muito bom coração, e preocupado com o futuro do filho e de seus amigos, que ele sabia ser uma turminha da pesada, preocupante...
A casa do Volnei era o ponto de reunião da turma, e refúgio daquele que, durante a semana, por algum motivo estava, temporariamente, de bronca com seus pais.
Tinha também o Emir, o “turco gordo”, filho do seu Jorge da venda, e da dona Samira. Ela, sempre alegre e bonachona, nos convidava para saborear os saborosos quitutes da cozinha árabe que, como ninguém, sabia fazer. O Emir, grande gozador, era o algoz do seu irmão mais velho, que tocava violino e pensava ser um futuro “Paganini”. Altino, o italiano, estava sempre risonho, contando piadas picantes e fazendo planos para o futuro. Era filho do seu Otto e da dona Custódia. De seu Otto, a gente pouco sabia, pois, pouco estava em casa. Sabíamos que era contador de uma madeireira, de um parente, e mais nada. Já a mãe do Altino, a dona Custódia, sempre chamando a todos de meus filhos, era de uma grande doçura, igual à geléia de uva que fazia. Embora trabalhasse muito e, por causa de um antigo reumatismo, sentisse fortes dores nas mãos, estava sempre alegre e disposta.
Paulo e Rafael, filhos do alfaiate, eram dois meninos que muito cedo começaram a trabalhar, como jornaleiros, e agora faziam parte daquela divertida “turminha da pesada”, de estudantes gazeteiros que, aos domingos, depois de vender, na fila do cinema, suas velhas revistas “de quadrinhos”, invariavelmente, iam assistir ao seriado do Flash Gordon, no antigo Cine Carlos Gomes, que tinha o apelido de “Cine Poeira”.
Tudo corria bem com a turma, até o dia em que, tentado a brincar com o perigo, Volnei pegou o revólver do seu Otacílio e, com ele na cintura, convidou os outros amigos para um passeio no campo, nas proximidades da cidade. Depois de muito caminhar, sentados para descansar, à beira da estrada, Volnei, ingenuamente, brincando com o 38, sem perceber, fez disparar um tiro que, para acabar com a alegria da aventura, teve um triste destino. A bala atingiu a barriga do Altino, e atravessou o seu intestino, fazendo várias perfurações.
Desesperados com o fato de ver o amigo ferido, e sangrando, todos juntos, na primeira carona que apareceu, balançando aos pulos da velha camionete Chevrolet 46, levaram Altino para o hospital, onde chegaram suando de nervosos e de medo.
Depois de uma longa espera, a primeira informação foi de que o amigo estava sendo operado, e seu estado era crítico.
Foram dias de angústia e expectativa, já que a vida do amigo corria real perigo.
Os amigos, e também suas mães, em suas orações, pediam a salvação e o pleno restabelecimento de Altino. Suas preces foram ouvidas, e depois de muitos dias hospitalizado, o “italiano” apareceu, muito pálido, pois perdera muito sangue, mas, já em plena recuperação.
Foi grande a alegria de todos ao saberem que o amigo estava, finalmente, salvo.
O impacto que esse fato causou naquela turminha, sem dúvida foi um marco divisório em suas vidas. Talvez aquele período de espera, angustiante, e a torcida pela vida do companheiro, tenham servido para reflexão e para a tomada de um novo rumo.
Todos voltaram a interessar-se mais pelos estudos, e maior senso de responsabilidade instalou-se em cada um, fazendo com que, embora subsistisse a mesma amizade, ela tenha amadurecido.
Os anos passaram-se, e os amigos ficaram distantes, no tempo e no espaço.
Volnei foi servir no Batalhão de Suez, ficou por lá bastante tempo, quando voltou, não demorou muito em Lages, logo foi para o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso superior.Ingressou na Varig, que parece ter sido seu primeiro e único emprego. Muito competente e dedicado, acabou promovido a gerente, em Los Angeles, onde encerrou a carreira, com merecida aposentadoria.
Não agüentando a saudade, voltou ao Brasil. Hoje, casado e feliz, mora no Rio de Janeiro, em Copacabana.
Altino, entre Blumenau e Itajaí, sempre idealista, e sempre interessado em atividades culturais e literárias, acabou abrindo uma livraria em Blumenau. Mais preocupado com a literatura que com o comércio, a “Livraria Don Quixote” teve vida curta. Foi para Itajaí, estudou direito e hoje é cartorário em Itapema, cidade praiana do litoral catarinense. Continua o mesmo italiano de cabelo espetado, simpático e amigo de todo o mundo, e quando duvidam das histórias de sua juventude, que alegremente conta aos amigos, abaixa a calça e mostra, na barriga, a cicatriz da operação, feita para consertar o estrago que uma bala 38 fez no seu intestino.
Emir, o alegre e gozador “turco gordo”, com toda a família, mudou-se para Curitiba, formou-se em engenharia, casou-se e continua morando na capital paranaense, onde dirige uma bem sucedida empresa de construção civil.
Paulo, depois de mudar-se para Blumenau, onde estudou e teve uma longa atuação como líder estudantil, para manter-se, trabalhou em várias empresas, terminando como propagandista de laboratório até mudar-se para Porto Alegre, onde se formou em Direito. Ingressou no serviço público e, hoje, também aposentado, advoga um pouco, levando uma vida tranqüila, pois os filhos já estão formados e encaminhados.
Rafael, cedendo aos encantos da primeira paixão, casou-se muito novo, ainda franguinho. Por isso, necessitando trabalhar para sustentar a família, interrompeu os estudos, e muito cedo deixou Lages e a turma, indo morar em Blumenau, onde só muito mais tarde voltou a estudar. Concluiu o curso de Direito, advogou durante algum tempo, ingressou no serviço público, e hoje está aposentado, morando em Florianópolis, onde contempla as belezas da ilha, reúne-se com os amigos, escreve algumas reminiscências, e curte os netos.
Antes de mudar-se para Florianópolis, Rafael, já aposentado, e morando no sítio, na região de Lages, num belo dia, chegando para almoçar no restaurante do Lages Hotel, ainda pensando nas compras que iria fazer, para atender às necessidades de sua gostosa e curta vida rural, eis que, na porta do hotel, foi surpreendido com a agradável presença do velho amigo Volnei, que não via há mais de 40 anos. Depois de um grande e afetuoso abraço, Volnei disse que estava ali porque tinha vindo do Rio de Janeiro, com um único objetivo: na noite anterior tinha promovido um reencontro festivo com os amigos, o que acontecera no melhor clube da cidade, e com traje à rigor. Durante a conversa, entre risos de alegria, Volnei contou da aflição da sua procura pelos amigos, e da tristeza de não ter encontrado dois da antiga “turminha da pesada”. Um deles era o Paulo, de quem, por mais que procurasse, não conseguira o endereço. O outro, era Rafael que, embora estando a poucos quilômetros dos amigos festeiros, morava numa região rural e de difícil comunicação.
Este encontro foi breve, pois Volnei esperava a condução que logo o levaria ao aeroporto, no seu retorno para o Rio de Janeiro, mas, também foi o tempo suficiente para, durante o almoço, recordar bons momentos, e marcar uma data para um novo reencontro e, desta vez, esperam contar com a sorte, para reunir os cinco amigos da antiga “turminha da pesada”.